Deixa eu te contar sobre um livro que é puro babado histórico: Dormindo com o Inimigo, do Hal Vaughan. Sabe quem é a protagonista dessa história? Nada mais, nada menos que Coco Chanel. Pois é, aquela mesma, ícone da moda, dona do pretinho básico e do perfume mais famoso do mundo. Só que esse livro revela um lado da vida dela que muita gente finge que não viu: a relação dela com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Poucas figuras da moda são tão icônicas e reverenciadas quanto Gabrielle "Coco" Chanel. Seu legado está marcado pelo estilo refinado, pela revolução no vestuário feminino e, claro, pelo inesquecível Chanel Nº 5. No entanto, há um capítulo menos glamoroso de sua história que ficou obscura por décadas: sua ligação com o regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Esse é o tema central de Dormindo com o Inimigo , livro do jornalista e historiador Hal Vaughan, que mergulha fundo na vida secreta da estilista e revela um lado sombrio da mulher que definia a moda do século XX.
Com base em documentos de inteligência recém-revelados, registros históricos e relatos detalhados, Vaughan construiu uma narrativa envolvente e meticulosamente pesquisada, expondo como Chanel não apenas manteve um relacionamento amoroso com um oficial nazista, mas também atuava como agente do serviço secreto alemão. Se antes havia apenas rumores e especulações sobre sua conexão com a ocupação alemã, o livro de Vaughan coloca evidências concretas na mesa.
Para entender a profundidade das acusações, é essencial compreender o cenário em que Chanel estava inserido. Durante a Segunda Guerra Mundial, Paris foi ocupada pelos alemães entre 1940 e 1944, e a cidade tornou-se um centro estratégico para os nazistas. Enquanto muitos franceses fugiam ou se uniam à resistência, outros optaram por colaborar com os ocupantes para manter suas posições de privilégio. Chanel se encaixa nesse último grupo.
No livro, Vaughan detalha como, durante esse período, a estilista manteve um relacionamento com Hans Günther von Dincklage, um oficial da inteligência nazista que tinha influência direta no governo de Hitler. Esse relacionamento não era apenas pessoal, mas também político e estratégico. Chanel passou a circular nos mesmos círculos que os alemães de alto escalão, garantindo vantagens e proteção em tempos de guerra.
Chanel, espiã?
Uma das maiores revelações do livro é que Chanel não apenas conviveu com os nazistas, mas trabalhou para eles. Segundo documentos do Arquivo Nacional Francês e registros da inteligência britânica e alemã, ela recebeu o codinome "Westminster" e foi registrada como agente nazista. Seu papel? Atuar em missões de diplomacia secreta e intermediar contatos entre os alemães e políticos influentes na França e na Espanha.
Vaughan descreve uma operação em particular que mostra o nível de envolvimento da estilista: a "Missão Modelo Hat". O objetivo dessa operação era usar Chanel como propaganda para convencer os britânicos a negociar uma paz separada com os nazistas, algo que, felizmente, não se concretizou. No entanto, só o fato de ela ter se envolvido nesse plano levanta questões perturbadoras sobre o seu comprometimento com o regime de Hitler.
Um dos aspectos mais complexos envolvidos no livro é o motivo real por trás das ações de Chanel. Ela era uma colaboradora ideológica do nazismo ou simplesmente uma oportunista tentando garantir sua sobrevivência ( e seus interesses financeiros) em tempos difíceis?
A resposta pode ser na forma como ela tentou se beneficiar das leis nazistas. Durante a ocupação, ela usou sua conexão com o governo alemão para tentar reaver o controle total da Parfums Chanel, empresa que, na época, pertencia majoritariamente à família Wertheimer, judeus que tinham fugido da França. Chanel alegou que, como "cidadã ariana", tinha direito à empresa sob as leis antissemitas da época. O golpe, no entanto, não funcionou, pois os Wertheimer, antecipando problemas, transferiram sua participação para um amigo cristão antes de fugir.
Isso reforça a ideia de que, mais do que uma questão ideológica, Chanel agia movida por interesses próprios. Ela queria poder, dinheiro e controle, e não hesitou em usar os nazistas para tentar conseguir isso.
Com o fim da Segunda Guerra, muitos franceses que colaboraram com os nazistas foram punidos severamente – alguns foram até executados. Chanel, no entanto, conseguiu escapar de consequências mais duras. Após ser detida brevemente para interrogatório em 1944, ela foi liberada sem maiores punições. O motivo? Aqui, o livro sugere que sua influência e conexões pesaram bastante.
Há especulações de que Winston Churchill, primeiro-ministro britânico e amigo de longa data da estilista, interveio para protegê-la. Se isso é verdade ou não, nunca saberemos com certeza, mas o fato é que Chanel evitou qualquer julgamento público severo e rapidamente se exilou na Suíça, onde presentes por quase uma década.
Quando finalmente retornou a Paris nos anos 1950, a memória da guerra já começava a se dissipar, e seu nome voltou a ser sinônimo de luxo e sofisticação. Com a ajuda financeira de Wertheimer – sim, os mesmos judeus de quem tentou comprar Parfums Chanel –, ela relançou sua marca e reconstruiu seu império.
O grande mérito de Dormindo com o Inimigo é que ele não apenas expõe fatos pouco conhecidos sobre Chanel, mas também levanta questões importantes sobre moralidade, poder e legado. Podemos separar o talento de uma pessoa com suas ações questionáveis? Chanel revolucionou a moda, libertou as mulheres do espartilho e criou algumas das peças mais icônicas da história. Mas, ao mesmo tempo, ela se aliou a um dos regimes mais cruéis do século XX.
O livro não dá respostas prontas, nem tenta explicar ou condenar Chanel de forma absoluta. Vaughan apresenta os fatos e permite que o leitor tire suas próprias conclusões.
Coco Chanel foi um gênio da moda? Sem dúvida. Mas também foi alguém que soube manipular o sistema a seu favor, sem se importar muito com questões éticas. Seu legado continua forte, mas depois de ler este livro, é difícil olhar para o famoso logo duplo “C” sem lembrar do que há por trás dele.
A parte mais reflexiva disso tudo: até que ponto alguém pode ir para manter suas privilégios? Chanel, que já era rica e influente, tentou recuperar sua marca que estava nas mãos de empresários judeus e usou os leis nazistas pra isso. É aquele tipo de história que faz a gente questionar se dá pra separar o gênio criativo da pessoa real, com todas as suas falhas e escolhas questionáveis.
Para quem ama moda, história ou simplesmente boas narrativas sobre personagens complexos, Dormindo com o Inimigo é leitura obrigatória. Vaughan desenvolveu uma investigação minuciosa, trazendo detalhes que nos fazem questionar a verdadeira natureza de uma das mulheres mais influentes do século passado.
Depois que você ler, me conte: Chanel era só uma sobrevivente ou uma oportunista sem escrúpulos?
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